27/06/2022

Sabes,

há uma dor que se instala no ventre e arranca o que está lá por dentro.  Não consigo agarrar nada do que está a morrer...

Não dá para mudar o lugar das coisas que cristalizam dentro das coisas que já foram coisas e que deixam de ser, em si mesmas, o que quer seja. 

No fundo, entendo tudo o que desfalace e desaparece nas entrelinhas do que não se diz, do que não se sabe, do que se finge saber e do que se omite. 

Avanço pelo asfalto levando os pés e as mãos despidas a olhar tudo o que duvido de frente. Levo o sangue a obedecer cegamente à gravidade e a misturar-se com as águas frias do rio que traz tudo o que ainda não sei.

Tenho o lugar das coisas que guardo por dentro, esventradadas na chaga reservada ao ardor da traição. 

A ilusão do sentido que reside dentro da invenção do equilibrio é o que desiquilibra a ordem das coisas. Tudo é mutável. Nada dura para sempre. Mas o lugar das coisas, esse não muda. 

Sabes,

apetece-me dançar de olhos fechados no lugar mais fundo da noite enquanto os pássaros embatem nas janelas da minha dor e se desfazem na ilusão de que podem retomar um voo que deixou de ter lugar. Será que alguma vez soube voar?

Morro esventrado a dançar de asas abertas de frente para o muro onde escrevo, em sangue, a verdade do que não consigo segurar.

Sem comentários:

Enviar um comentário