27/09/2019

caMinhO

Não adianta. Não há nenhuma asa de gaivota que te possa levar para mais longe. Não se pode fugir do destino que nos foi traçado no dia em que nos cruzámos com o mundo. 
É inevitável que tentes correr. Sentes a perna presa, a dor a recordar-te a incapacidade, os ossos a ruir, o cansaço a chorar a pele. A impossibilidade da fuga reflectida na incapacidade que te reside no corpo. 
Tens a alma aprisionada há demasiados anos. Evitas olhá-la de frente, encarar o que de mais simples e real está de frente para ti. Evitas. Ignoras. Crês que é uma bênção ignorares até que ela te esmaga de frente, olhando-te nos olhos. Pele contra pele. Beija-te a testa. Segura-te as mãos e depois dilacera-te. Desfaz-te na pele até sangrares por dentro. Até não seres nada mais para além do sangue a correr como a chuva do inverno. 
Persegues-te na tua própria sombra. Finges que percorres sonhos e vontades mas não sais do mesmo lugar. Iludes-te a sentir-te grande por dentro, assente no orgulho que te faz crescer só, mas não desarmas na vontade do innuendo. Mascaras a face e o corpo na idealização de uma construção onírica em que, quando te convenceres a ver de verdade, só encontrarás pó de cinza.
És feito de nuvens densas que descem sobre a praia emudecida. Não há nada para além do silêncio mesmo depois das marés, mesmo depois das vozes, mesmo depois dos gritos das gaivotas. 
Não adianta.
Ainda não te cumpriste. 

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