05/04/2016

anGoisE


Pensei em começar tudo de novo. Fechar os olhos. Deixar as sombras passarem diante de mim e recomeçar. Anjo e demónios digladiam-se dentro de mim e são as suas vozes que oiço em gritos desvairados dentro da minha solidão. Pensei em começar tudo do princípio. Voltar ao lugar onde a minha existência teve o seu primeiro sentido, em que a minha desistência teve a sua primeira vitória, em que a minha desgraça me dignificou. Queria poder começar de um lugar onde eu não estava. Na verdade, todos os lugares em que estive as vozes não me abandonaram. Na verdade, de todos os lugares em que me vi, as sombras não me deixaram. Pensei em começar de novo mas sem estar lá. Sem ser eu o começo nem o fim. Estar sem estar e ser sem ser. Percebi, no momento em que me olhei no espelho da mesma sala, na mesma casa, na mesma morte, que não se pode começar do princípio vez nenhuma. As sombras são o meu começo, a minha angústia o meu eterno fim.

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