30/10/2019

fOliUm

Começo pelo fim e, no fim, vou dizer-te que não te direi mais nada. 


Vou esperar que o outono termine e, consigo, todas as folhas quedem. Vou acabar por me reduzir às cores que vêm com o céu do inverno e desfazer-me na terra.
No fim, vou dizer-te que já não há mais folhas no lugar que eras em mim e que tudo permanece despido, simplesmente a aguardar o regresso de ti. 


No caminho, digo-te tanto quando te digo sem te chegar a dizer quase nada. Temo que me leias nos intervalos do silêncio que se faz em nós quando chegamos perto dos limites que nos impomos. 
Todas as palavras que coloco nas folhas, guardam o significado que lhes entrego e o que tu lhes dás. Palavras escritas nas folhas que quedam sobre a terra molhada pelas chuvas que anunciam a necessidade imperiosa do recolhimento. Palavras escritas nas folhas que escurecem sob o sol que se despede dos dias que terminam antes de o queremos. Palavras escritas nas folhas que se transformam em si mesmas para poderem renascer. 


Digo-te quase nada para não te dizer tudo. 


Perco-te nas folhas quando me confundes na incerteza do que vês em mim e de que esperas de minhas mãos. Toco-te em segredo, em silêncio, e guardo tua mão sobre a minha face no lugar onde se guardam as coisas sagradas. 
Abro os olhos e reconheço que, na verdade, tu não estás no lugar onde eu quedei, onde os significados se deixam cair com as folhas. 


Encontro-te numa encruzilhada. Não tenho vontade para avançar porque o tempo me trouxe insegurança e meus passos são cada vez mais lentos. Olho-te nos olhos e ouço-te na voz com que cantas, toda a noite, e sei-te tão perto dos anjos, tão longe de um qualquer lugar de mim que possa chegar até aí. 
Talvez, na verdade, sejas apenas uma doce e mágica ilusão com que minhas palavras dançam. Talvez tudo o que acontece na poesia de ti que me toca por dentro , não seja mais do que folhas que quedam por dentro do outono que subsiste em mim, e se  possam reencontrar na possibilidade divina de recomeçar.


Vou dizer-te que não te direi mais nada até que as folhas de outono terminem de cair por dentro de mim.

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