15/08/2011

secretum

Tenho no corpo um segredo guardado.
Rasgo cada aresta da minha pele enquanto embato de cabeça na areia molhada deste deserto em que me deixei ficar.
Não chove aqui. Não nascem flores, nem arbustos, nem nada que possa cobrir o resto das minhas cinzas.
Esta terra é negra como o sarro que as minhas mãos ocupam e tenho no corpo um segredo que ninguém pode conhecer. Cada poro respira e jorra sangue vivo. Sangue cansado. Sangue sem sangue.
Queria poder saber fazer nascer qualquer coisa desta abrupta ruptura entre o que sou e o que fui e não encontro forma. Nem geométrica, nem forma sem forma de forma nenhuma.
Amei como se amam as coisas que têm sempre que partir e fiquei na espera que elas regressassem aqui. Mas o que parte desta terra de areia não volta mais.
Tremem-me as mãos na incerteza de ser possível dormir hoje. Os ossos rangem no silêncio que só quem foi abandonado assim sabe ouvir. O silêncio é imenso. Ininterrupto. Voraz e absorve-me de toda a capacidade de respirar.
Aqui não nasce vida. Não cresce nada. Por causa deste segredo que morreu dentro da minha pele e que jamais alguém poderá chegar a saber.

1 comentário:

  1. Magnífico, à semelhança do anterior. Se me permite, deixo-lhe um pouco de F.Pessoa.
    "
    (...)
    Tênue lembrança ou saudade,
    Princípio ou fim do que não foi,
    Não tem lugar, não tem verdade.
    Atrai e dói.
    Segue-o meu ser em liberdade.
    Vazio encanto ébrio de si,
    Tristeza ou alegria o traz?
    O que sou dele a quem sorri?
    Nada é nem faz.
    Só de segui-lo me perdi." *

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