15/08/2011

10

Morri há tanto tempo que nem me lembro de ter chegado a estar vivo.
Os anos, os dias, os segundos detêm todos a exacta medida das coisas que não estão no seu lugar. A exacta medida do não haver nada. Morri morrendo sem saber que morri e aqui está o que sobrou.
A determinada altura esqueci o que me descrevia. A prepotência da humanidade em querer nomear tudo. As palavras a não serem menor que sinais, que descrições, que caminhos, que certezas, que penas e fados. Morri morrendo sem saber que estava vivo. Desde que te perdi. Não. Desde que partiste. Não. Desde que te perdiste. Partiste. Perdeste. Perdi. Já nem sei bem a palavra para nomear a tua ausência. Pensei que ia cheirar eternamente a flores aqui. No lugar em que te deixei ficar estes 10 anos. Mas já não cheira. Tenho o olfacto tão envelhecido como os cabelos que se branqueiam sobre o meu olhar cansado. Conto os anos pelos dedos das mãos. 10. 10 dedos.  Sigo-te na linha ténue de um pensamento enfraquecido pela desfragmentação do tempo e quase, quase te ouço rir. Faz-me frio dentro de mim quando insisto em negar que o tempo passou assim sobre a tua ausência de mim e eu não cesso, e eu não paro para esquecer. Às vezes queria esquecer. Às vezes queria lembrar que existe um lugar onde eu não esqueço que a dor termina. E a dor não chega a terminar nunca porque eu não chego a esquecer. Porque tenho medo de esquecer por não querer mesmo nunca, chegar a esquecer-te. Morro morrendo na certeza de que a morte me abandonou aqui quando te levou. E quando a olho nos olhos, todas as noites que me penam a adormecer, quase te ouço rir. E quase chego a recordar que há um lugar onde a solidão terminava.

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