13/01/2010

Espécie de esboço...

Se alguém vos abordasse, de forma inesperada, mas voluntária, dizendo: escreva qualquer coisa que relacione «ideia», «perigo» e «Portugal», talvez a resposta mais imediata fosse: bom, eis três conceitos que não se joga, nem à bola! Ora, ideia é coisa que de tão rara eventualidade neste país, presumo que a última deverá ter ocorrido em 1755, qual epicentro genético do tremor de terra. Pronto, relacionei os três conceitos!

Mais a sério ou, dizendo com o mesmo sentido, mais perigosamente: como disse e muito bem G. Deleuze: «(...) ninguém ignora que ter uma ideia é um acontecimento que surge raramente, que é uma espécie de festa, pouco frequente". Ora, o acontecimento inerente à ideia é tanto a sua dimensão original como criativa; original enquanto fonte sempre recorrente que refresca quando as dúvidas assolam ou quando a penumbra se faz inclinação ou ainda quando a aurora se faz longe sob a promessa do anoitecer; criativa enquanto dinamismo que renova e se renova sem perder a sua identidade, mas cultivando e promovendo o imperativo da diferença como marca da igualdade. A ideia é aquilo que ao se concretizar não se esgota na situação tal e tal, mas faz de tal e tal situação pontos que se referem a um horizonte inesgotável de sentido. A ideia é o anúncio da situação (em sentido vertical do mirar o horizonte enquanto linha que espelha o infinito de perspectivas) e a situação a proposta da ideia (em sentido etimológico «aquilo que se põe à frente»).

Existem, pelo menos, três classes de ideias perigosas (senso comum) e todas elas têm por base uma matriz comum: a intersubjectividade.

Existe o sujeito que é a origem da ideia e o sujeito no qual a ideia faz eco enquanto deveria ser dele (a), poderia ser dele (b) e é nele (c). No primeiro caso e o mais comum – penso que não existe necessidade de efectuar um referendo para se saber «ab initio» que é assim – porque aquilo que o outro efectua é uma irrupção no tecido amorfo da mesmidade quotidiana e que dá origem ao diferente, de tal forma original e criativo que colide e ilumina as arestas a-limadas da minha existência. No segundo caso, temos a situação do «está mesmo debaixo da língua» e por muito que lá esteja, se não conseguimos verbalizar, fazê-lo exterior à interioridade do sujeito, a ideia é apenas uma possibilidade intencional – e como sabem, de intenções, boas ou más, está o inferno cheio delas; note-se que o inferno é a consciência ela-mesma e não qualquer zona geograficamente determinada por uma mundividência moral. O último caso, é uma raridade não só conceptual, mas sobretudo real; é a tal festa de exótica frequência que Deleuze refere. A ideia, original e criativa, de um sujeito poder «ser» noutro sujeito só ocorre quando sobrevém o que chamo de «estética dos idiotas»: somente através da noção de simetria ou proporção (seja do belo ou do feio) é que é possível evidenciar uma conexão entre «diferentes» (o sujeito e o outro).

Depois de tudo isto, ficam de fora os encadeamentos lógicos – caracterizados mais pela esperteza do que pela inteligência e, por isso mesmo, são enunciados vazios... – do que comummente se chama de «ideia» ou de «ter uma ideia», os quais soçobram perante a realidade pela pobreza miserável de sentido, mas que proliferam pela grandeza da humanidade demasiado humana.

[continua...]

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