13/04/2021

C.

Sinto que te digo adeus ainda antes do tempo de me despedir de ti. 

É como se eu estivesse a despir-me de mim. A deixar cada uma das partes num qualquer lugar. Algumas em lugares certos, arrumados, direitos. Outras, talvez nem tanto. 

Algumas imagens começam a ficar envoltas num nevoeiro espesso que se vai apoderando de partes da minha memória. Partes de mim. Faz-me desvanecer devagar, compreendes? Uma forma lenta mas tão desesperadamente rápida, na verdade. Tudo se desfaz num ápice. Uma fracção de segundo. Uma valsa que, na verdade, não abranda mas que voa através do salão de mogno  imenso que é a minha vida. Até ter chegado aqui. 

Sinto que o cansaço e o vazio se inteiram completamente de quem eu fui, atravessam quem eu sou e remetem tudo o que ainda podia ser para um lugar que já não consigo verentenderprojectarnomear. 

Fecho e abro os olhos. Não melhora. Há uma névoa que dança comigo a dança dos dias e me embala nas noites. Já não me deixa. Talvez eu já não seja apenas eu...Talvez seja eu e tudo o resto que agora parece soçobrar de mim.

Há momentos, agora, em que sinto que me desfaço em pó. Em que te digo adeus sem ser ainda tempo de partir. Perdoa-me se não te consigo dizer de outra forma o que me corrompe e arde por dentro. Perdoa se não me consigo entender de outra maneira. 

A dor passou a ser a parte mais inteira de mim e sento-me, no meu próprio palco, absolutamente só, a assistir - através de gritos emudecidos pelo segredo que reside dentro da minha angústia manietada - à queda do resto de mim. Sinto como se me estivesse a desfazer em pó. A aniquilar-me. 

Já não tenho forçavontadecapacidadecrençadesejo para parar com esta destruição massiva que acontece em mim. 

Sento-me, no público, a olhar para o palco onde permanece o resto de mim e assisto, impotentecansadotristepassivodescrente, à despedida que estou a fazer de mim mesmo enquanto te digo adeus. 

Mas deixo a noite terminar e vejo o recomeço que acontece cada manhã. 

Conto até três, conto os passos até ti, e recomeço. consigoresistopersistoacreditorecupero e adio a despedida. Agarro-me nas finas linhas da luz do sol, teço finos fios de seda que me agarram à costa, enquanto sinto as ondas retomarem à maré. Como tem de ser. Como a esperança que desenha as ondas. 

Cada dia, recupero uma parte das partes. Talvez ainda não seja pó. Talvez ainda possa estar apenas a dançar uma valsa lenta. Talvez tudo, afinal possa ir desaparecendo lentamente. E volto a querer ficar. Mais um pouco. Adio a despedida. Adio a minha ausência de mim. Recomeço. 



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