19/05/2011

salga

Tentei saber o motivo pelo qual nunca pude andar sobre a terra molhada como os outros todos fazem. Perceber porque nunca andei sobre nada que não tivesse arestas, lâminas afiadas a beijarem a pele dos meus pés descalços.
Quando chove consigo ver melhor que o meu chão não é igual ao teu chão.
Que o meu corpo não é igual ao teu corpo.
Que a minha voz soa tão diferente da tua.
Que a minha memória dura tão menos tempo do que tu.
Sabes que o tempo não chega para eu chegar aqui a tempo de todas as vezes que assim o intento.
Nasceste da chuva – não, eu nasci da chuva – da terra – não, da lama – não, eu da lama tu da areia – não – os meus pés sobre o teu rosto molhado de mar – não, de chuva – não, de lama, de lama a salgar-te o olhar com que me tocas nas noites vazias – como esta – como eu – como o lugar que não tenho para posar os pés. O engano. Tu sabes que chego sempre aqui por engano, por me confundir de olhos fechados sobre os caminhos todos. O engano - da ausência da recordação - em que me deixei cair e agora não sei saber onde estou. Talvez não esteja em lugar nenhum enquanto te não encontrar e tu não me explicares porque é que os meus pés descalços não serenam na areia – não, na terra – e são assim, chagas abertas ao mar à espera que chova para conseguir ver o resto do caminho que – repetidamente – esqueço.

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