06/04/2011

laranjeira

Perguntas porque é que as coisas nunca são fáceis.
Cheira a flores de laranjeira mesmo aqui à porta. Mesmo aqui, no coração da cidade coberto de fumo negro. Cheira a flores de laranjeira e as pétalas quedam no avançar das asas dos melros sedentos.
Começa a primavera e tudo se mantém pouco simples. Parece que as coisas na vida não podem ser simples para alguns de nós. Como se fosse importante passar cada dificuldade como se de um teste se tratasse, como se de uma demanda nos torneássemos. Como se não houvesse, definitivamente, nenhuma outra alternativa possível.
Houve um tempo em que esperei que te tornasses em algo que se parecesse com as asas de um pássaro vestido de negro. Houve dias e noites em que iludia os sonhos, os compassos de tempo, as melodias inventadas em silêncio, numa ilusão perfeita de que eu era, e podia ser, mais do que isto que efectivamente reconhecia ser. E não era. E nunca fui. E nunca cheguei a ser. Sabes que o odor das flores destas laranjeiras acaba tão rápido. Remete-me para a infância e logo me arranca a carne da cara e me atira contra o muro de cimento que construí, dia após dia, ao longo de todos estes anos.
As coisas não são fáceis. Não podiam ser fáceis. Para ti, que arrastas uma existência mascarada pela necessidade de conseguires ser aquilo que te não compete, nem pertence, ser. Não podias querer mais do que o que te foi destinado e ainda assim insistes em remeter tudo ao carnaval insano que acontece nas ruas da tua amargura. Se olhares para dentro com os olhos de quem sabe ver, encontras o ponto exacto em que as coisas deixaram de ser simples, deixaram de ser fáceis.
Aprendemos, tão cedo, a saber deixar partir. A assimilar a perda como apenas mais uma componente de nós. A aceitar a queda como uma necessidade inevitável. A sorrir perante o que se tornava adverso e nos atingia como uma tempestade em alto mar. Estamos sempre nas vagas do mar alto a enfrentar a chuva e o vento das coisas que acontecem em nós e que ninguém vê. Sei que sabes que ninguém, por mais perto que esteja, pode ver o que acontece em ti. O que acontece quando as pétalas da flor da laranjeira caem sobre as pedras frias da calçada, levadas por asas pequenas de abelhas atarefadas ou asas grandes de pardais e melros chilreantes.
Porque é que as coisas nunca são fáceis?
Porque hoje não temos direito a que as coisas sejam fáceis mas amanhã…amanhã, pode sempre haver a simplicidade do odor a flor de laranjeiras mesmo aqui, à porta de nós.

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