18/04/2011

ecoar

Ela estava completamente nua quando entrou na sala. Trazia areia no cabelo. Trazia vidros nas mãos. Olhou para mim como se olham as coisas que não estão no sítio certo e perguntou o que eu ainda fazia ali.
Nem eu sabia. Estaria ainda ali? Quanto tempo teria passado desde que cheguei?
Lá fora ecoava o riso da tempestade que se abateu sobre a cidade. Sem aviso. Sem qualquer sinal. Que eu visse. Que tenha percebido. Assim como o que ela me dizia. Não consegui compreender e ela compreendeu que eu não havia compreendido nada e simplesmente virou as costas e saiu da sala. Não tive opção nenhuma para além de guardar as mãos no saco junto com o resto das coisas que achei que deviam, eventualmente, poder fazer falta. Guardei dois livros. Não sei quais. Era como se não tivessem capa, nem letras, palavra nenhuma, só as páginas amareladas. Penso que guardei o caderno, o relógio, as bolachas que ela tanto odeia. As chaves. E as mãos.
Olhei para o outro lado da sala para perceber se ela voltaria atrás e me diria algo que eu pudesse, realmente, entender. Mas não.
Nada.
A última imagem que poderia levar comigo era o seu cabelo cheio de areia despida. E a certeza de que o sabor do corpo dela desapareceria de mim e toda a sua dimensão se desvaneceria assim que eu tocasse a chuva.
Segurei o saco nas mãos guardadas e desci as escadas sem olhar para trás. É preciso saber deixar as coisas. Aprendi a saber deixar as coisas assim, em silêncio, no torpor da trovoada, nos corpos despidos, nos resquícios das páginas por escrever.
Desci a rua como se fizesse parte da chuva. Como se não houvesse mais nada, naquele momento e para todo o sempre, que não a certeza da chuva.

Passaram 5 anos. E o rosto dela de costas para mim ainda ecoa no trovão das minhas mãos guardadas em silêncio.

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