15/04/2024

TG

Canto risos para vos iludir. Para dizer à tristeza que a tristeza não tem lugar nesta triste demanda em que me precipito, dia após dia. 

Canto para me iludir. Para dizer ao tempo que chegou o tempo de garantir que o tempo possa ter tempo para ser tempo. Mas este meu tempo já não é meu. Já não me pertence. Nem sei bem se estou no mesmo lugar que o tempo que me foi destinado...Talvez tenha perdido a métrica ao tempo e agora só resta fingir-me aqui.

Fugi da minha solidão. Encetei todos os movimentos que julguei sempre serem uma violação directa da natureza de mim, andando para trás,  com os punhos cerrados e os olhos em gritos. Fugi abraçada ao medo. Temia as rochas mas às rochas regressei. Ostracizei o mar e ao mar regressei. Repeli meu passado e a seus braços regressei. Canto para me iludir, para me sustentar,  para não cair. Para poder ficar. 

Não sei bem quem somos quando deixamos para trás, numa terra que fica para além de quilómetros de oceano que nos separam do que fomos, uma vida inteira de caminhos reunidos. Virei costas. Fechei a porta. Só D'eus sabe como me tremiam os dedos e a boca me sabia a cinzas. Só D'eus me ouviu o pranto e o vazio naquele momento em que o dia, por instantes, se revestiu do negro mais fundo da noite insana. 

O que sobra de mim agora? Sou quem fui e fui quem sou. Não encontro o lugar que ficou a meio. Sou eu mas na verdade estou incompleta. Faltam-me as penas das asas e já não posso voar. Estou calada, de frente ao oceano que a ilha recorta nas suas reentrâncias, nas suas entranhas, e não vejo mais a terra de que sou/fui feita. Voltei ao lugar que me nasceu. Morrerei aqui. Desapegada. Desviolentada. Desasada. Despedaçada. Sem inteirezas que possam resistir aos actos de coragem e de cobardia que me cobriram no meu precipício.

Canto para iludir o vazio. Ocupamos os espaços vazios, os espaços cada vez mais brancos que (me) persistem na existência, com todas as tintas que pudermos encontrar. 

Sou agora uma réstia do que fui e não espero mais ser nada. Estou a meio de mim. As memórias que me assolam são histórias contadas de quem fui e de quem quis ser mas, ainda, as histórias do que não fui, de quem não fui, de quem não cheguei a poder ser. 

E agora estou aqui. Neste lugar que é um lugar de outros. Entregue à vontade de D'eus manifesta na vontade de quem me assiste. A minha vida depende, agora, da vida que os outros me dispensam.

E eu fico a cantar para preencher os espaços vazios de tudo o que de mim tive de deixar partir. 

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