20/12/2022

POnTo

Jaz um estorninho no feio cinzento do manto de uma qualquer rua pérfida desta cidade.

Não há nenhum canto de nenhuma ave a entoar no silêncio obscuro deste dia.

Em cada lugar de cimento a desfazer-se do tempo como acontece aos ferros de ferrugem que seguram a ponte, encontro a memória de ti.

Em cada agressão da voluptuosa dinâmica da cidade cheia, deparo-me com a lembrança da tua voz.

Em cada folha caída, raiada de vermelho, tingida do receio do inverno, encontro tua pele. 

Em cada momento perdido da iminência antecipada da angústia da chuva que faz quedar todos os anjos do céu numa devastadora agonia concertada pela falência certa da humanidade, encontro tua língua.

Em todos os sabores de todos os ventos de todas as ruas e vielas tristes, ou entusiastas, perco tua mão.

Jazem os pássaros, as ruas, as folhas e os mantos de água nas minhas mãos gravosas.

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