20/12/2020

nOrTejO

respiro fundo enquanto atravesso a ponte. por cima do rio. por cima da neblina que acorda o nascer do dia e que traz, por dentro, um manto inteiro de possibilidades. 

sinto o vento gélido que acaricia os primeiros raios de sol. sinto o sangue a ferver por debaixo da pele que arrefece quando o vento chega até aqui. sinto o suor a percorrer-me o corpo. um tremor ligeiro que se apossa do ventre. uma angústia deliciosa. 

vou vendo como o meu lado do rio fica para trás. já não posso recuar. não há como voltar ao lugar de onde se partiu agora mesmo. quando inicias o caminho, deves manter-te no caminho. 

demoro-me neste pensamento e revejo o princípio da história. 

hesito. recomeço. suspendo. recomeço. acelero. recomeço. 

atravesso o tempo o mais depressa que consigo para poder minimizar o atraso que se adia em mim. conto chegar no tempo certo mas o tempo ilude-me na (in)certeza de estar a tempo. como a manhã que emergia do frio e finalmente acaba por se entregar nos braços do calor improvável de dezembro.  

é no teu olhar que encontro a imensidão da curiosidade. o fenómeno incompreensível da necessidade de compreender tudo o que acontece em nós. o mundo é um lugar demasiado grande para ser compreendido em todas as suas dimensões. assim como nós. assim como eu que tão pouco sou no (teu) mundo. 

meço as palavras. não quero que me saibas. 

ignoro os gestos. quero que me vejas.

sinto a leveza das cores apesar do negro que crês habitar em mim. sinto como se o mundo inteiro coubesse no teu sorriso. na palma da tua mão que hesita em tocar-me a face. 

acredito que o mundo para de respirar no momento em que me permites ver-te. se fosses um livro, terias ainda muitas páginas por abrir porque, na verdade, há mais para além do universo de pecados que te assolam e te fazem desfazeres parte do caminho. e é como se, por vezes, esse fosse o lugar do teu despotismo.

o rio desaguou em mim com a dimensão de um oceano e fiquei com tanto para compreender. ou talvez tanto para explicar. acordei, por dentro da noite que entrega o começo do dia, com um manto imenso de palavras por ouvir. a tua história em gotas de rio ou em pedaços de lixo ou em ideias de luxúria ou em espaços por preencher ou em (des)amores adiados. desaguaste em mim como um livro que precisa ser escrito. 

enquanto atravesso a ponte de regresso ao lugar de onde inicialmente segui, suspendo-me na ideia de que talvez seja em ti que falta construir uma ponte. o lado certo do teu lado do rio. o lado exacto da tua fragilidade. o manto de possibilidades que ainda permanece em ti. a ligação entre o que te faz e o que te desfaz. 

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