26/03/2020

Sento-me à beira da janela a ver a cidade em silêncio.
Olho a rua por debaixo de meus pés enquanto nenhum movimento parece acontecer. 
Se fechar os olhos, estou certo de que encontro o momento exacto em que o mundo se equilibrou num fio de seda.

Penso em tudo o que cessou de acontecer. Como tudo, de repente, pareceu ficar mais lento,mais inteiro, mais sereno. 
Mais verdadeiro. 
Quem não podia parar, parou. 
Quem não conseguia mudar, virou.
Quem não queria ver, entendeu. 
Hoje parece estar tudo diferente. Mas, na verdade, está tudo exactamente igual. 

O medo tomou conta das ruas e das vidas. 
A consciência assolou todos, enquanto os pássaros passaram a viver mais livres. 
O mundo abrandou e recomeçou a respirar. Suavemente. 

Na outra parte da cidade, longe desta janela, é o cenário bélico que se impõe contra o silêncio.
Os heróis que sempre o foram, são homenageados no segredo da noite, nas preces entoadas no som da esperança, no sangue, no suor e nas lágrimas de quem escolhe - como se vivesse nas asas dos pássaros - não parar. De quem não pode parar porque parar é a impossibilidade de quem se debate na guerra. 
O mundo está agora dividido em dois lugares confinados aos segredos mais obscuros que se escondem nas asas do medo - a incerteza e a esperança. Dois lugares irmãos, dois lugares inimigos. Dois extremos da mesma carne. Dois sentir do mesmo fundo. 

Sento-me na beira da janela a ver o silêncio que se instala no mundo. 

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