10/04/2010

estória IV

É tão duro e tão frio o som deste silêncio ao longo da sala e mesmo assim olho para ti como não suportas ser vista. E agora, que fazemos?, perguntei-te, numa pergunta tão inútil quanto necessária: continuei sentado, com uma mão em cima do balcão e outra de punho cerrado, olhando-te fixamente, lendo-te mais do que queiras, mais do que pensavas possível. Quero esquecer tudo, já esqueci tudo, nada aconteceu quando aconteceu nada!, respondeste tu numa voz carregada, com um olhar fixo e uma lágrima regando a tua face. E quando aconteceu nada foi a dor e o abismo, foi a carne rasgada e a foz solta em grito, foi o inacreditável possível, foi viver o fim e permanecer para ser depois do fim: nossa filha Alisa (אליסה) ensanguentada e morta, jazendo entre o silêncio que nos acalenta e que faz eco no ventre com cheiro a sexo e a giesta. Já não suportas a maneira como olho para ti mas quando olho para ti, vejo na tua presença a ausência que é jamais, que é estar depois do fim. Abraça-me, disseste-me. E o vazio expandiu-se ainda mais, foi mais fundo e mais além – foi sem tudo, para ser sem – : foi nada. Só te tenho a ti agora, disse-lhe, como se diz aquelas frases quando não se tem nada a dizer e tudo o que pudesse ser dito seria apenas um dizer de merda. Olhaste para mim e disseste: «Tu e eu a viver o fim e a ser depois do fim (אני חי אתה), a ser sacrifício e a ausência de redenção: viveste-me».

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