sento-me com um copo numa mão e a miséria na outra. bebo de ambas as mãos como se sorvesse os restos da vida. reconheço os gestos de ingratidão que teimo em exacerbar cada vez que se me abre a boca para falar. queria poder permanecer num silêncio mudo e cego. deixar passar o tempo até que nenhuma parte do meu corpo ousasse mais mover-se. deixar que todos os cabelos quedem nos tons de cinzento, toda a textura da pele se mistifique no desespero das rugas. que toda a sabedoria me caia no colo e eu possa, de uma vez por todas, reconhecer que não fui digno de viver. bebo da miséria da minha existência os tragos de vida que deixei por ser vivida. bebo do copo para esquecer a miséria. bebo a miséria para abandonar o copo. e assim sigo, silencioso, pelo interior da noite.
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