20/12/2024

Amanheci nas entranhas da cidade. Cheira a frio e cansaço pelas ruas. Tudo parece ter sabor de abandono. São, talvez, imensas as formas possíveis de abandonar algo ou alguém. De nos abandonarmos. 

Caminhei as ruas como se a única possibilidade fosse chegar ao destino. Caminhei com o sangue fora da pele, com o grito fora da boca, com a certeza fora de mim. 

O que permanece no abandono é a despertença.

Se não pertenço aqui, quem serei eu?

17/12/2024

Despertei de dentro da noite com um grito de tua voz espalhada sobre meu ventre. Fechei de novo os olhos e perscutei-te no silêncio segurando-te a voz com as minhas mãos abertas.


11/12/2024

Supus que a raiva iria cessar.

Acreditei como se acredita cegamente nas coisas que, na verdade, não existem senão em nós mesmos. 

Mas a raiva não parou. 

Escorre como um manto de lava incandescente por dentro do corpo do meu sangue. Jorra no fel das minhas palavras e consome tudo o que restava das cinzas da minha esperança.

09/12/2024

ReGrESso

Parei na rua por um momento, devagar, sem permitir a pressa dos dias. Escutei o sol na minha pele. Senti o silêncio que vem de dentro, obliterar o ruído da cidade. Um momento de claridade, enquanto fechei os olhos devagar, e compreendi tudo. 

Vi que sempre foram os olhos teus o que me levou de volta a esse lugar. Foram sempre teus olhos [feridos], teu olhar [vivo], tua claridade [obscura], tua intensidade [efémera], tua inconstância [consistente], teu mar [meu ar] que me fizeram sempre regressar. Impelida por tua luz, atravessei às escuras o oceano, vezes sem conta, para te [me] reencontrar. 

Compreendo, agora, que foi por ti [sempre] que regressei.


06/12/2024

Por vezes

no interior da noite

queria 

apenas

poder

segurar-te nas asas 

adormecer 

com as tuas penas 

nas minhas mãos.

05/12/2024

estou de olhos fechados. virado para a parede. nunca vi tão claramente como agora. não há nada para além de escuridão em redor. mas é agora que eu vejo. junto a pele à cal. fundo-me com a pedra. mastigo os restos de pó e deixo-me envolver pela putrefacção das formas. estou de olhos fechados a olhar para mim. só agora consigo ver tudo. cruzo os braços. quebro os ossos. vazo o interior de mim e espero. de olhos fechados. virado para ti.