Sento-me, a meu lado. Fico a olhar-me e tenho dúvidas sobre se este corpo será verdadeiramente o meu. Já não sei bem reconhecer se é este o meu contorno, se esta palidez é de minha pele ou de meu devaneio, se este corpo é do meu fogo ou do meu abismo, se estes gestos são imutáveis ou ensandecidos. Já não guardo muitas certezas. Sei apenas, neste momento de agora, que enquanto estou lado a lado comigo mesmo, respiro labaredas, rasgo o estômago com os dentes, engulo palavras em brasa, cravo as garras corcomidas na pele desalentada, conto os gritos inaudíveis que me implodem por dentro...um, dois, cento e trinta e nove, mil...
Deixo-me permanecer sentado. Olho em frente. Viro-me de costas. Dispo as roupas e vejo que tenho a pele a arder. Afinal as palavras começam a sair do silêncio dos gritos e as brasas incendeiam o caminho. Sinto o sabor do desalento na ponta dos dedos em cinza. Reconheço o aroma de fel na boca amargurada. Aperto o cilicio no peito. Um pouco mais, até escutar a prece dos ossos. Mastigo a culpa e pecado. Bebo o sangue. Contenho as lágrimas. Deixo que o fogo tome conta do resto.
Fecho os olhos.
Fico sentado.
Estou virado de costas para o meu corpo a arder.
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