Há qualquer coisa a arrancar-me a pele. Quando olho o espelho, qualquer reflexo, em qualquer superfície que me veja, já não encontro partes de mim.
Há algo que me fere longitudinalmente ao corpo inteiro e assisto, impotente, ao desabrochar sádico das chagas que me consomem e de onde emergem, triunfantes, as vísceras da minha insustentabilidade.
A ausência esmaga-me a traqueia e as palavras ficam todas mudas, cegas, surdas, quebradas.
Começo a tentar escrever o que se passa em mim e são os dedos que me caem sobre o abismo (des)feito a tinta. As palavras estão partidas em pedaços minúsculos que não consigo ver. São os dedos, os meus, que as perseguem e acabam por se perder das mãos.
Que outras partes de mim estarei a perder? Há coisas que não reconheço e que me arrancam a pele, me descarceram, me desossam e me pelam sem que o consinta, sem que o entenda, sem que o possa fazer parar.
Penso que estou próximo de perder a fé. Começo a perder as partes do corpo. As partes de mim.
Assisto, na primeira fila, à minha própria decadência. Sou eu no palco, em fragmentos. Sou eu o meu próprio público e não há nada mais que possa dizer. As palavras, os dedos, a tinta, tudo me abandonou.
Há qualquer coisa a arrancar-me pele.
Há qualquer coisa a terminar em mim.
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