16/06/2024

pensei que podia tirar a roupa dos pés e dançar descalço nas entrelinhas das frases nunca proferidas. queria pegar nas palavras com a linha da tinta e percorrer os traços invisíveis dos papéis apodrecidos nas ruínas da casa que caiu no mar. pensei que podia tirar as palavras da boca e cola-las nos tectos das mãos até te vestir de certezas e de âncoras. fechei os olhos e sonhei o sonho que não é mais do que os contratempos dos tempos em fila de espera para se tornarem música. sonhei-te e não estavas lá.  caminhei descalço por dentro da minha boca e foi areia e conchas o que encontrei e mastiguei no sangue das gengivas feridas de letras sem ordem, sem palavras. o que são letras que não podem tornar-se palavras? o que serei eu se não estás no sonho que sonho de ti?

10/06/2024

Fico a teu lado. 

A morrer por dentro enquanto tu desapareces.

A arte de morrer de impotência é sublime. 

Morro a teu lado.

Está escura, esta noite. 

O dia passou o tempo a entoar uma melodia agónica que me desfez por dentro. Desconheço a razão, o motivo que me levou a perder a batalha. 

Às vezes (ou sempre) é preciso ter vontade e por vezes (nem sempre) o é possível.  

Caminho, desatenta das ruas vazias da cidade. Ouço apenas o que me diz a noite. Parece que sussurra um poema triste, feito de histórias inacabadas, monstros alados, sarilhos serenos, tempestades imperfeitas, desesperança...sobretudo, desesperança. 

Debaixo dos meus passos, morrem uma segunda morte as flores caídas dos jacarandás. Tudo tem um começo e, por isso, inevitavelmente terá fim. As flores de jacarandá cessam duas vezes...morrem de tempo e morrem de mim. 

Em cada passo, ouso querer adiar uma queda mas o que faço é mentir por dentro e devagar, uma flor de cada vez, construir a ilusão de que há uma razão.

Há tantas razões como há flores caídas por dentro da noite. 

Está escuro.

07/06/2024

há raios que trazem relâmpagos e razões 

para arrasar a noite


há um prenúncio de uma chuva que não vem mas traz 

as costas da aridez distante


há gritos e ventos que fustigam a pele dos ousados e arregaçam a pele 

até se ver osso


há raios que trazem trovões na voz e gritam nos ouvidos dos pecadores 

uma penitência surda