26/06/2010
Senhor, partem tão tristes
confirmação
Segredei-me nas costas da noite mas era para mim apenas que falava. Não estava mais ninguém. Por perto.
A noite deixou-me de costas para a certeza de que, afinal, nunca tinhas estado. Perto.
Eu sou o que resta da minha ausência. Tu és o que resta da minha confirmação.
25/06/2010
24/06/2010
estória VI
Alisa. Envelheceste, foram os anos que passaram, a correr caminhos acima e abaixo da tua altura. A lua subiu e desceu tantas vezes banhadas pelo sol e tantas outras se escondeu, aninhada, pela terra. Sabes que está próximo. Que é hoje, que é sempre hoje e não amanhã, e nem poderia ter sido ontem. Olhas-me ainda, vives-me ainda, para seres depois de mim. Acalentas o limite do teu corpo como um enamorado apaixonado no desejo de desejar, e sabes no gesto da carícia a fronteira. Alisa. Foi o tempo que se escorreu ao longo do teu corpo, moldando a erosão das lisas arestas das curvas desenhadas. Arrastas os teus pés no peso de os mover. Peso. Seguras-te a pretexto em cada toque dado em cada recanto. Pretexto. E o ar puro no fôlego que te insufla os pulmões. Fôlego. E são tão pequenas e tão longínquas as tuas sete vezes, os teus punhos, o meu sangue, a tua violência, o meu silêncio, a tua e a minha de tudo e de nada. Alisa. Envelheci. Fui sendo nos momentos e nas situações; fui colhendo sentidos e significados; fui guardando memórias e aspirações; fui aninhando amores odiados e desamando afectos; fui-me deixando aqui e além. Envelheci, vivi-me: quando chegar a hora estará tudo saldado e não haverá nada para morrer, a não ser a morte. Alisa. Falas tão poucas vezes comigo – dizes-me, silenciosamente – e esse teu comportamento infernal, agressivo é a presença que sempre foi a falta em mim. Esqueço. Hoje esqueço-me regularmente de esquecer, e tudo o que lembro vive na penumbra de um véu diáfano, que de tão presente chega a ser mais do que ser, aparência. Envelheceste.
23/06/2010
Jack
22/06/2010
sem título
21/06/2010
Abandono
Pode suceder-se que nada chegue a chegar aqui.
Enquanto esperava na margem do rio vi como a noite caiu sobre o mar. Eu não estava lá mas vi tudo. A maré a mover-se como só os gestos de sedução se podem mover. Eu ali a não ver porque não estava lá. Mas sabia tudo.
Pude imaginar o meu corpo deitado sobre o frio da maré da manhã. A flutuar na vertigem da ressaca que vem com a certeza do abandono.
Fui abandonado aqui. Todos os barcos partiram. Todos os portos fechados por causa das marés. Fiquei só. E é assim que (me) encontro (n)o mundo.
Sozinho. Olho de frente para quem se arrasta de costas para mim e sigo os gestos todos cinzentos pelas ruas fora.
Podia ter acontecido que eu não me tivesse apercebido de rigorosamente nada e agora estava a sorrir a olhar a água. Mas não foi assim que aconteceu. And I will blame myself for stepping inside this fucking hole. I will always blame myself .
Se tivesse conseguido, tinha-me encostado de frente a uma parede qualquer e esperava que chegasses e me devastasses com os dedos. Com a língua. Com a boca inteira. Mas nem sequer me lembro do teu nome. Nem consigo recordar a que sabe o teu odor.
Tudo podia ter sido de maneira diferente se eu tivesse estado no sítio certo. Agora não estava aqui. Não estaria aqui. Tudo teria sido bem mais simples e provavelmente ainda me lembraria de ti.
Todos os barcos partiram. Estou despido de frente a esta parede, cinzenta, e as tuas mãos não chegam. Acontece que tu não conseguiste chegar aqui. Acontece que nada chegou a chegar aqui, ao sítio onde eu sabia que já não estava mas onde ainda me encontro absolutamente só.
Podia ter acontecido tudo de outra maneira. Mas não fui capaz de mais.
20/06/2010
Day Old Hate - City and Colour
And I know its fun to pretend
Now blank stares and empty threats
Are all I have, they're all I have.
So drown me and if you can
Or we could just have conversation.
And I fall, I fall, I fall down
But I found you, before I drift away
Now you still speak of day old hate
Though your whole world has gone up into flames
And isn't it great to find that you're really worth nothing
And how safe it is to feel safe.
So drown me and if you can
Or we could just have conversation.
And I fall, I fall, I fall down
But I found you, before I drift away
The things we do just to stay alive
The things we do just to stay alive
The things we do just to stay alive
The things we do just to keep ourselves alive
The Death of Me - EP - 2004
18/06/2010
milimetrico (05/2007)
Pensa. Quando a dor for quase a rasgar. Aperta. Quando o tempo estiver a chegar. Cessa. Quando a lua aparecer. Cobre. Quando os restos não importarem. Grita. Quando os mortos te tocarem. Sorri. Quando a chuva não parar de cair. Dança. Quando o sangue parar de escorrer. Guarda. Quando os riscos forem desenho. Esculpe. Quando todos os pássaros levantarem voo. Pousa. Quando o vento levar tudo. Continua. Quando as palavras faltarem. Escreve. Quando tudo deixar de ser suficiente. Procura. Quando nada chegar a ti. Escava. Quando te perderes. Sente. Quando encontrares. Esquece. Quando começares a sentir. Sossega. Quando tudo acalmar. Naufraga. Quando as marés descerem. Navega. Quando os barcos partirem do porto. Mergulha. Quando chegares à ilha. Submerge. Quando te sentires chegar a terra. Voa. Quando tiveres de partir. Espera. Enquanto puderes esperar. Prepara. Quando puderes ficar. Segue. Quando tiveres de chorar. Adia. Quando não conseguires esperar mais. Agarra. Quando fizer falta. Segura. Quando voltar a fazer falta. Chama. Quando faltar um milimetro para caires. Chora.
15/06/2010
15/06
e 9 são os anos que não passam. foi tudo ontem. foi como se fosse, como se tivesse sido, tudo hoje. agora. vai ser sempre assim por todos os anos que faltam para mim.
sometimes I wish I could have also been there.
14/06/2010
13/06/2010
refúgio de domingo

12/06/2010
passado
Não te encontrei onde esperava encontrar-te.
Não viste nada do que esperava que tivesses visto.
Estavas exactamente no mesmo lugar onde te deixei ficar e não onde queria que estivesses.
Olhaste para mim sem me veres e não respiraste. Não o suficiente.
Não encontraste reduto possível. Olhaste a porta e saíste. Como da primeira vez. Como se nada pudesse mudar. Como se fosse a única coisa que sabes fazer.
E eu fiquei a olhar-te partir de costas voltadas para a tua ausência e a saber que não me encontro no lugar onde esperava já ter chegado.
10/06/2010
cheiro a chuva
Das portadas brancas abertas sobre a sala cheia de fumo, cheira a chuva.
A terra molhada a dar o sinal e a levantar a possibilidade de se sentir a liberdade de ser qualquer coisa mais do que o resto que não interessa já continuar a ser. Chuva.
A sala cheia de sombras. De cigarros acesos a desafiar a lei da gravidade e a subir ao tecto que parecia não terminar. Meia-luz. Meia voz. Gente a olhar de frente um qualquer fado escrito nas teclas de um piano ao fundo. Ao fundo o piano que, também ele, cheira a chuva quando encontra uns quaisquer dedos furtivos a desafiar o silêncio com a alma inteira. Uma voz a encher a sala enquanto as sombras todas tentam silenciar as coisas todas que se não podem dizer quando se olha de frente para o que é belo. Tão simplesmente belo.
Cheira a chuva.
Cheirou a chuva toda a noite. E a chuva foi o que se entranhou na pele. Foi o que se entranhou na alma.
E hoje ainda cheira a chuva. E à noite ainda vai cheirar a chuva.
E isso é tudo o que importa quando se olha pelas portadas brancas abertas sobre todas as salas.
07/06/2010
des.er.to.
O caminho vinha de um céu vermelho que mais ninguém conseguia ver.
Teu corpo a mover-se, lentamente, no cair do dia sobre o deserto quente.
Teu vulto a escudar-se de outros antes de embater contra as rochas. Tua sombra a segredar-te esconderijos onde ninguém mais que não conheça a necessidade da fuga pode, vez alguma, saber chegar.
Sombras, sombras, a rodearem-te a pele e os contornos do rosto e a certeza dos gestos certos por desfazer.
Mais uns minutos e já não chegavas a tempo. As ruas começaram a fechar-se sobre si mesmas e a vida a parar no tempo que não chegou.
Passos de dança lançados no vento de olhos fechados como se não houvesse, já, mais nada para ver.
Um deserto inteiro aberto sobre as ruas. Sobre a noite. Sobre o tempo.
Um deserto inteiro aberto em ti onde a areia não se move de encontro ao resto. A areia parada de frente para o tempo.
As ruas inteiras fechadas sobre o que não chega nunca. As ruas fechadas na certeza de não terem lugar para onde ir.
Talvez, na verdade, não haja nem segredos nem promessas guardados nas esquinas. Nas calçadas. Na sujidade do chão.
Talvez, de verdade, não estejam milagres a aguardar a sua vez nas chuvas cinzentas.
Talvez, em definitivo, não fiquem marcas na areia dos passos que se ousam ensaiar de frente para o calor. Talvez a areia não chegue a ser mais do que essas sombras paradas sobre os pés, sobre olhos, sobre os restos do que resta.
Mas no cair da tarde, de olhos fechados a dançar sob o vento, pode haver lugar a um céu vermelho que ninguém vê.
Se voltares a chegar tarde, não pares de encontro às sombras mas de frente para o tempo. E o deserto aberto em si mesmo vai encontrar um limite que não tem limite nas ruas que sempre tiveram lugares diferentes para onde ir.
02/06/2010
rio
Havia um rio à volta destas casas. Era um rio largo. Era um rio cheio.
Desde que as chuvas pararam a água, aqui, nunca mais correu. Tentei fechar os olhos e ver o que faltava mas não encontrava o lugar certo das coisas. Já não encontrava o lugar.
Havia um rio à minha volta. É um rio agora seco. É um rio sem corrente.
Desde que eu parei que a água não corre. E agora eu sou o deserto, aqui, aberto à volta destas casas. Desta terra. E já não há lugar ao lugar que era certo das coisas.